Potencial da ferramenta ECAM para estimativa de emissões de GEE em arranjos típicos de tratamento de esgoto sanitário no Brasil

 

 

RESUMO

O cálculo de emissões de gases do efeito estufa (GEE) para o setor de tratamento de esgotos representa um grande desafio, uma vez que a principal referência internacional para esse processo, o IPCC, apresenta equações e fatores generalistas, que são de difícil assimilação por parte dos técnicos que realizam os inventários das empresas de saneamento. Para otimizar esse processo, foi criada a ferramenta ECAM (Energy Performance and Carbon Emissions Assessment and Monitoring), que agrega todas as equações e variáveis necessárias em uma única plataforma. Essa iniciativa é pioneira para o setor, e o objetivo deste trabalho foi verificar a usabilidade dessa ferramenta, utilizando-a para calcular emissões em quatro cenários típicos brasileiros de tratamento de esgotos: lodos ativados com aeração prolongada (LAAP), lodos ativados convencional em combinação com digestores anaeróbios de lodo (LA + DL) e reatores UASB seguidos de lodos ativados convencional (UASB + LA), com e sem queima de biogás. Como resultado, percebeu-se que a ferramenta ECAM facilita muito o processo para o usuário, uma vez que, além de incorporar as equações do IPCC, ainda sugere valores de fontes complementares para variáveis para as quais o IPCC não indica valores a adotar. Identificou-se que essas sugestões têm grande utilidade, mas alguns cuidados devem ser tomados ao misturar referências distintas, principalmente no cálculo da variável de carga orgânica removida como lodo de etapas de tratamento de esgotos. A única característica de fator limitante identificada para o ECAM foi a impossibilidade de selecionar valores de potencial de aquecimento global (GWP) mais atualizados, uma vez que a última versão da ferramenta não inclui os relatórios mais atuais, e essa variável também não é customizável pelo usuário. Para esse caso em específico, recomendou-se a exportação dos valores em gases unitários para uma planilha exterior e a eventual conversão para carbono equivalente. Com base nos resultados obtidos, conclui-se que a ferramenta ECAM apresenta um grande potencial para aprimorar a compreensão e a facilidade do cálculo de emissões de GEE por técnicos responsáveis pelos inventários de empresas de saneamento.

PALAVRAS-CHAVE: emissões de GEE, tratamento de esgotos, ferramenta ECAM, inventários de GEE.

 

INTRODUÇÃO 

O setor de esgotamento sanitário é responsável por 1,8% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) do Brasil (SEEG, 2021). O Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) estabelece que as atividades do setor contribuem principalmente com emissões de óxido nitroso (N2O), metano (CH4) e dióxido de carbono (CO2), provenientes de diferentes processos e etapas da coleta, tratamento e despejo de esgotos (IPCC, 2006; 2019).

A geração de dióxido de carbono é associada à queima de combustíveis fósseis. No âmbito do tratamento de esgotos ocorre: indiretamente, durante o consumo de energia elétrica da rede; durante o transporte de subprodutos, como lodo; e pela combustão em motores e outros equipamentos localizados dentro de uma estação de tratamento de esgotos (ETE). O tratamento de esgotos pode possuir processos de alto consumo energético, como a aeração, que tornam essa uma emissão relevante (ROTHAUSEN; CONWAY, 2011). O dióxido de carbono também pode ser emitido a partir de fontes biogênicas, ou seja, emissões relacionadas ao ciclo natural do carbono, mas que não são consideradas em inventários de GEE pelo IPCC (2006; 2019).

O metano é gerado a partir da decomposição da matéria orgânica em condições anaeróbicas, e pode ser responsável por emissões significativas na atmosfera se não for capturado e queimado. É gerado tanto no tratamento de efluentes quanto na gestão de lodos produzidos em ETEs, tornando-se um gás importante nas emissões desses locais (DAELMAN et al., 2013; FOLEY, 2015). O metano de origem não fóssil tem um potencial de aquecimento global 27 vezes maior do que o dióxido de carbono (IPCC, 2021).

O óxido nitroso é principalmente associado à degradação de compostos nitrogenados presentes no efluente, tais como nitratos e proteínas, sendo um produto intermediário dos processos de nitrificação e desnitrificação. Nas ETEs, a maior parte de sua geração ocorre durante a aeração (MELLO et al., 2013), especialmente em unidades de lodos ativados que são dimensionadas e operadas com foco único na remoção de carga orgânica, e, portanto, não controlam adequadamente sua desnitrificação (AHN et al., 2010; KAMPSCHREUR et al., 2009). O óxido nitroso tem um potencial de aquecimento global 273 vezes maior do que o dióxido de carbono (IPCC, 2021), de modo que, mesmo em pequenas quantidades, representa uma emissão significativa.

A quantificação e a estimativa das emissões de óxido nitroso em uma ETE é um processo complexo devido à diversidade de fatores que influenciam a sua geração. Anteriormente, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) não considerava as ETEs como fontes relevantes desse tipo de emissão, mas com o avanço dos estudos, elas têm sido incorporadas em inventários de gases de efeito estufa. No entanto, pesquisas adicionais ainda estão em andamento para determinar com precisão a quantidade de óxido nitroso gerada (FOLEY, 2015).

O IPCC estabelece critérios para o cálculo das emissões de GEE provenientes do tratamento de esgotos em seu Guia para a Elaboração de Inventários Nacionais de GEE (IPCC, 2006; 2019), que é complementado e atualizado regularmente. No guia, o IPCC fornece equações e condições gerais para esses cálculos, além de sugerir fatores de emissão (FE) a serem utilizados para cada tecnologia de tratamento, com base em valores médios de estudos em escala real e piloto. No entanto, os fatores sugeridos não levam em consideração as condições específicas de cada estação de tratamento de esgoto (ETE) nem a combinação de várias tecnologias. O potencial de aquecimento global (GWP) dos GEE é fornecido para padronização em relatórios de avaliação (AR) do IPCC, que também são atualizados regularmente.

Por isso, o cálculo das emissões de GEE provenientes do tratamento de esgoto com base nas diretrizes do IPCC pode ser complicado e oneroso, devido ao grande número de variáveis e considerações que devem ser levadas em conta pelo inventariante, seguindo os guias e relatórios da instituição. O projeto WaCCliM (Water and Wastewater Companies for Climate Mitigation) desenvolveu a ferramenta ECAM (Energy Performance and Carbon Emissions Assessment and Monitoring), específica para as emissões do setor de saneamento e que incorpora as diretrizes do IPCC, complementando-as quando necessário.

Este artigo avalia a usabilidade da ferramenta ECAM, verificando sua capacidade de complementar métodos ou informações generalistas do IPCC, além de sua flexibilidade para que o usuário acrescente dados próprios ou de outras fontes.

 

OBJETIVOS 

O objetivo principal deste estudo é avaliar a usabilidade da ferramenta ECAM (Energy Performance and Carbon Emissions Assessment and Monitoring) para a estimativa de emissões de GEE nas atividades associadas ao tratamento de esgoto sanitário no Brasil, incluindo uma breve análise sobre as lacunas nas diretrizes do IPCC (2019) que são complementadas pelo ECAM.

 

METODOLOGIA UTILIZADA 

Com o objetivo de avaliar a possibilidade de utilizar a metodologia do guia do IPCC (2019) por meio da ferramenta ECAM (Figura 1), os autores analisaram, inicialmente, os parâmetros de entrada utilizados nos cálculos da ferramenta. Essa análise considerou o estado atual do conhecimento, incluindo a literatura nacional e internacional, e a aplicabilidade aos processos de tratamento de esgotos no Brasil. Entre os pontos discutidos, destacam-se: os fatores de emissão (FE) de metano e óxido nitroso; o fator de emissão relacionado ao consumo de energia elétrica; as grandezas relacionadas à subtração de carga orgânica por remoção de lodo; e o potencial de aquecimento global (GWP) dos gases de efeito estufa (GEE).

 

Figura 1: Ferramenta ECAM, disponível no link

 

Em seguida, a ferramenta foi utilizada para calcular as emissões de GEE de tecnologias comuns no tratamento de esgoto brasileiro, como lodos ativados com aeração prolongada (LAAP), lodos ativados convencional em combinação com digestores anaeróbios de lodo (LA + DL) e reatores UASB seguidos de lodos ativados convencional (UASB + LA), com e sem queima de biogás. Para comparação, os autores também realizaram cálculos manuais das mesmas emissões em uma planilha externa.

Entre as premissas para os cálculos realizados, está a definição de um escopo, ou seja, quais emissões seriam consideradas. As emissões do tratamento de esgoto incluem o consumo de energia elétrica da rede, o tratamento do esgoto, a geração de biogás e o lançamento final do efluente tratado. De acordo com as sugestões do IPCC (2006; 2019), as emissões biogênicas associadas à queima do biogás não foram incluídas.

O estudo adotou uma população padrão de 100.000 habitantes, resultando em uma carga afluente de DBO5 de 1.825.000 kg/ano e uma carga de nitrogênio de 706.846 kg/ano. O consumo de energia elétrica para a aeração foi estimado com base no consumo específico, conforme von Sperling (2005).

Para os arranjos com digestor de lodo (LA + DL) e reator UASB (UASB + LA), foi considerada a geração de biogás, coletado e queimado. Adicionalmente, é demonstrado o impacto da emissão do biogás gerado no reator UASB para a atmosfera quando não há sistema de coleta e queima operante.

Ao final, as emissões são apresentadas em kgCH4, kgN2O e kgCO2, também convertidas para kgCO2 equivalente pelo ECAM, que utiliza como referência o potencial de aquecimento global do relatório de avaliação (AR) do IPCC selecionado pelo usuário.

 

RESULTADOS OBTIDOS 

CÁLCULOS COM A FERRAMENTA ECAM

A Tabela 1 apresenta os parâmetros gerais de entrada sugeridos pela ferramenta ECAM, os quais são disponibilizados após o usuário selecionar o país de referência como Brasil. Na coluna “Análise/Observações”, é realizada uma avaliação dos valores sugeridos e sua possibilidade de customização, caso o usuário possua valores próprios obtidos por metodologias mais precisas. Na coluna “Valor adotado”, encontram-se os valores selecionados pelos autores para uso na ferramenta, com base nas sugestões do ECAM e nas observações realizadas pelos autores.

 

Tabela 1: Análise dos parâmetros gerais adotados pela ferramenta ECAM, após seleção do país de referência como “Brasil”.

Legenda: Os GWP que consideram a condição de climate-carbon-feedback são aqueles que incluem o impacto do aumento das concentrações de gases de efeito estufa no próprio ciclo do carbono. 

 

Após realizar as modificações dos parâmetros gerais da ferramenta, foram gerados quatro cenários típicos no ECAM, um para cada arranjo tecnológico selecionado: LAAP; LA + DL; UASB + LA com queima de biogás; e UASB + LA sem queima de biogás. Adicionando informações sobre a população contribuinte, a ferramenta calculou automaticamente as cargas afluentes de DBO5 e nitrogênio total.

Em seguida, para cada arranjo, foi necessário informar a eficiência de remoção das cargas. A ferramenta oferece uma seleção de eficiências padrão em um menu suspenso, que resulta na carga do efluente tratado e, indiretamente, na carga removida. Não é possível personalizar os valores das eficiências diretamente, mas isso não prejudica o resultado na prática, pois as cargas do efluente podem ser alteradas diretamente pelo usuário.

Este estudo adotou as eficiências apresentadas na Tabela 2.

 

Tabela 2: Eficiências de remoção de DBO5 e Ntotal adotados pelos autores.

Após a definição das eficiências de remoção para cada arranjo tecnológico, o próximo passo consistiu em analisar e determinar os fatores de emissão de CH4 e N2O relacionados aos processos de tratamento e ao lançamento do efluente tratado (Tabela 3).

O ECAM sugere fatores de emissão para muitos processos de tratamento de esgotos, em sua maioria extraídos do relatório do IPCC de 2019, permitindo a determinação desses valores para LAAP e LA+DL. No entanto, para arranjos que combinam mais de um processo de tratamento de esgotos, como é o caso do UASB+LA (com e sem queima), não há fatores de emissão disponíveis no relatório do IPCC de 2006 e 2019 que possam ser adotados. Por esse motivo, para esses dois cenários foram calculados fatores de emissão compostos com base na equação 2 de Silva et al. (2022, p. 45), especificada a partir das equações do IPCC (2019), equações “6.1 Updated” e “6.1A New”), e que considera os FE unitários do IPCC, as eficiências de remoção de carga na primeira tecnologia, e a parcela de DBO5 removida como lodo na segunda tecnologia. Nesses casos específicos, a retirada de lodo adotada foi de 292.000 kg/ano para a tecnologia de lodos ativados, quando antecedida pelo reator UASB.

Cabe ressaltar que o FE sugerido pelo IPCC (2019) para o processo UASB parte de premissas que não correspondem à realidade brasileira, ou são passíveis de questionamento com base no trabalho de Souza (2010), que aponta que o FE é influenciado por diversos fatores, como a carga orgânica aplicada, a temperatura e o pH do reator.

 

Tabela 3: Fatores de emissão adotados e calculados para os arranjos estudados.

Além das emissões relacionadas ao tratamento de efluentes e ao lançamento final, o ECAM calcula as emissões indiretas relacionadas ao consumo de energia elétrica do Sistema Interligado Nacional (SIN). Para isso, foi considerado apenas o consumo da aeração, com base nas médias por tipo de tecnologia de von Sperling (2005).

A Figura 2 apresenta as emissões calculadas pela ferramenta ECAM com base nas premissas assumidas, que podem ser disponibilizadas por tipo de gás ou por CO2 equivalente. A menor emissão de GEE ocorre no processo de lodo ativado com aeração prolongada. Do total de emissões de 6.545.347 kgCO2eq/a, 93,5 % são relacionadas à emissão de óxido nitroso, seguido por 4,2 % de dióxido de carbono e 2,3 % de metano.

 

Figura 2: Emissões de GEE por gás conforme arranjo tecnológico.

 

Já na Figura 3 são apresentadas as emissões por categoria. As categorias previamente definidas foram o tratamento de efluente, biogás, o lançamento final do efluente tratado, e energia elétrica.

 

Figura 3: Emissões de GEE por categoria conforme arranjo tecnológico.

 

CÁLCULOS EM PLANILHA EXTERNA 

Para os cálculos com a planilha externa, foram utilizados os mesmos parâmetros do que para o cálculo com a ferramenta ECAM. A exceção está no potencial de aquecimento global, que não é customizável na ferramenta ECAM.

Os potenciais de aquecimento global são fornecidos pelo Climate Change 2021: The Physical Science Basis (IPCC, 2021), que fazem parte do Sexto Relatório de Avaliação (AR6) do IPCC, para os períodos de observação de 20, 100 e 500 anos. A Tabela 4 compara o AR6 e o AR5 (mais recente disponível no ECAM). O AR6 fornece valores reduzidos com relação ao seu antecessor, além de distinguir os potenciais do metano de acordo com a sua origem. Para inventários de instalações e processos de esgotos, o manual DWA-Merkblatt M 230-2 (DWA, 2022) recomenda a adoção de 100 anos.

 

Tabela 4: Potenciais de aquecimento global para o período de observação de 100 anos.

A Figura 4 apresenta as emissões da planilha própria, sendo aplicados os valores de potencial do AR6.

 

Figura 4: Emissões de GEE por gás, calculados em planilha externa.

 

ANÁLISE DOS RESULTADOS

POTENCIAL DE INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS OBTIDOS COM A FERRAMENTA ECAM

A ferramenta ECAM proporcionou resultados que permitem a interpretação dos arranjos tecnológicos típicos brasileiros para o tratamento de esgotos sanitários.

Os resultados indicaram que o arranjo tecnológico típico que menos emitiu gases de efeito estufa (GEE) foi o processo de lodos ativados com aeração prolongada. Isso se deve principalmente ao baixo fator de emissão de energia elétrica brasileiro, uma vez que a matriz energética do país é composta em grande parte por hidrelétricas. No entanto, os eventos de escassez hídrica futuros exigem que a eficiência energética seja um fator necessário no tratamento de esgotos, tornando-se promissoras as tecnologias anaeróbias.

Quando comparados aos lodos ativados com aeração prolongada, o processo de lodos ativados com digestão anaeróbia de lodo e a combinação de reator UASB com lodos ativados proporcionam uma redução de consumo de energia elétrica entre 36% e 43%, podendo chegar a 81% e 90% em caso de aproveitamento energético de biogás. Além de aliviar uma oferta limitada de eletricidade, essa economia resulta em custos reduzidos de tratamento de esgotos, garantindo uma melhor relação custo-eficácia, que é fundamental para a universalização do tratamento de esgotos.

A diferença entre o processo de lodos ativados com digestor de lodo e a combinação de reator UASB com lodos ativados está principalmente na parcela de biogás perdida no reator UASB. A comparação com o cenário em que não é realizada a coleta e queima de biogás captado no reator UASB, aumentando as emissões em 110%, não deixa dúvidas sobre a importância de sua coleta e queima.

 

LIMITAÇÕES RELACIONADAS AO POTENCIAL DE AQUECIMENTO GLOBAL (GWP) 

Para avaliar quantitativamente os resultados da estimativa de emissões pela ferramenta ECAM, a Tabela 5 apresenta uma comparação entre os resultados da ferramenta e da planilha externa, em carbono equivalente.

 

Tabela 5: Comparação entre os cálculos realizados através do ECAM, e através de planilha externa.

A ferramenta ECAM, disponível em inglês e espanhol, permite a customização de diversos parâmetros, como os fatores de emissão.  Entretanto, a seleção dos potenciais de aquecimento global é limitada aos AR do IPCC disponíveis em menu suspenso, ou seja, impossibilitando a seleção de valores atualizados pelo IPCC (2021), que são menores. Essa limitação resultou nas diferenças observadas na tabela.

Para não superestimar as emissões, recomenda-se, portanto, que o usuário exporte os resultados da ferramenta ECAM por tipo de gás, e realize a conversão para carbono equivalente em outra ferramenta de cálculo.

 

LIMITAÇÕES RELACIONADAS AO CÁLCULO DA PERDA DE DBO REMOVIDA COMO LODO 

Para o cálculo das emissões de metano durante o processo de tratamento do esgoto, outro fator importante a ser considerado é a quantidade de carga orgânica removida juntamente com o lodo (Sj), a qual deve ser subtraída da carga total recebida pelo processo de tratamento (DBOj) antes da aplicação do fator de emissão (equação 1). Este mesmo conceito foi utilizado para calcular os fatores de emissão compostos na Tabela 3.

ECH4,j = (DBOj– Sj) * FECH4,j – Rj                                                                                                                       (equação 1)

Onde: 

ECH4,j =FE Emissões de metade de uma etapa/sistema de tratamento/lançamento de esgoto[kgCH4/a]. 
DBO = Carga de DBO afluente a
uma etapa/sistema de tratamento/lançamento de esgoto[kgDBO/a]. 
S = Carga de DBO removida como lodo a partir de uma
etapa/sistema de tratamento [kgDBO/a].
FECH4 = Fator de emissão de metano [kgCH4/kgDBO].
R = Quantidade de metado recuperado ou queimado a partir de
uma etapa/sistema de tratamento/lançamento de esgoto[kgCH4/a]. 
j = Cada etapa/sistema de tratamento/lançamento de esgotos.

Essa consideração, segundo o IPCC (2019), é aplicável aos casos em que haja uma remoção frequente de lodos do sistema de tratamento. Um exemplo são os conceitos de ETES em que as linhas de tratamento de esgoto e lodo são separadas, como em estações de aeração com decantação primária e estabilização de lodo anaeróbio. No entanto, no caso de um cenário UASB + Lodos Ativados, o esgoto e o lodo são tratados simultaneamente, mas há a retirada frequente de lodos da segunda tecnologia (LA), e, portanto, a carga de DBO associada a este lodo também deve ser descontada.

Em alguns casos o lodo aeróbio excedente de estágios de tratamento subsequente é adicionado ao processo de estabilização anaeróbia. A dedução teórica de toda a carga orgânica do arranjo de tratamento composto de lodo levaria a distorções na consideração das emissões. Por este motivo, para as combinações de processos de UASB e etapas aeróbias biológicas, apenas o excesso de lodo aeróbio deve ser considerado para a aplicação da
equação 1.

Aprofundando-se no cálculo para determinação dessa quantidade de carga orgânica removida juntamente com o lodo, o IPCC (2019) recomenda a aplicação da equação 2, que também é utilizada pela ferramenta ECAM em conjunto à equação 1.

 

S = Sms * Krem                                                                                                                                                       (equação 2) 

S = Carga de DBO removida como lodo a partir de uma
etapa/sistema de tratamento [kgDBO/a].
Sms = Massa de lodo removido de uma etapa/sistema de tratamento de esgotos [kglodo/a]. 
Krem = Teor específico de carga orgânica do lodo [kgDBO/kglodo].

 

Para o cálculo da carga de DBO removida como lodo (S), o ECAM sugere que o cálculo da massa seca de lodo removido (Sms) seja realizado com base em uma produção específica em g/hab.dia. Essa produção específica tem como referência a tabela 2.2 do trabalho desenvolvido por Andreoli et al. (2007, p. 21). Por outro lado, para a segunda componente da equação, que é o teor específico de carga orgânica dos lodos (Krem), o ECAM sugere os valores recomendados pelo IPCC (2019), que variam entre de 0,5 e 1,16 kgDBO5/kglodo seco. Os valores do IPCC são superiores aos de outras literaturas de referência, e quando aplicados aos valores de Andreoli et al. (2007), podem levar a resultados de emissões negativas, conforme observado também por Andrews (2021).

Como a ferramenta ECAM permite a customização de ambas as variáveis Sms e Krem, na prática é possível contornar essa situação. Sendo assim, sugere-se adotar um teor específico de carga orgânica (Krem) entre 0,57 e 0,80 kgDBO/kgSST, que decorre das suposições apresentadas na Tabela 6. A Tabela 7, em seguida, apresenta quais valores adotar exatamente dependendo do tipo de tecnologia de tratamento.

 

Tabela 6: Suposições para determinação do teor específico de carga orgânica do lodo (Krem) para processos de lodos ativados e filtros biológicos percoladores.

 

Tabela 7: Produção de lodo específico por habitante de acordo com o processo de tratamento.

 

LIMITAÇÕES RELACIONADAS AO CÁLCULO DO FATOR DE EMISSÃO DE METANO 

Como já mencionado, a ferramenta ECAM sugere fatores de emissão de metano baseados no IPCC (2019), através de um menu suspenso que varia de acordo com a tecnologia de tratamento de esgotos selecionada pelo usuário. No entanto, é importante destacar algumas ponderações sobre a equação que originou o fator de emissão calculado pelo IPCC.

Esse fator de emissão em específico é o resultado do produto da capacidade máxima de produção de metano (bCH4,0) pelo fator de correção de metano (MCF) (equação 3), que é a fração tratada anaerobicamente.

FECH4,j =  bCH4,0 * MCFj                                                                                                                         (equação 3)

Onde: 

FECH4,j =Fator de emissão de metano [kgCH4/kgDBO].
bCH4,0 = Capacidade máxima de produção de metano
[kgCH4/kgDBO].
MCFj = Fator de correção de metano [-]. 

A capacidade máxima de produção de metano (bCH4,0) assumida pelo IPCC (2019) é de 0,25 kgCH4/kgDQO e 0,60 kgCH4/kgDBO. Enquanto a produção máxima de metano de 0,25 kgCH4/kgDQO é baseada na estequiometria da biodegradação de matéria orgânica, o IPCC (2019) assume uma produção máxima de metano relacionado à DBO correspondente baseada em uma relação DQO:DBO de 2,4. No entanto, para o Brasil, deve-se assumir uma relação DQO:DBO de 2,0, de acordo com von Sperling (2005), o que resultaria em uma produção máxima de metano de 0,50 kgCH4/kgDBO.

Os MCF são aplicados às cargas afluentes e para arranjos de tratamento compostos, portanto, deve-se considerar a carga afluente à ETE e a eficiência do primeiro processo para calcular as emissões do segundo processo. Nesse cálculo, é levada em consideração a carga orgânica efetivamente convertida em metano. Em relação a essa parcela de metano (produção e emissão), o IPCC (2019) fornece um fator de emissão padrão de metano de 0,20 kgCH4/kgDQO,afluente para reatores UASB.

É importante avaliar criticamente esse fator de emissão, pois ele corresponde ao resultado de um cálculo estequiométrico simplificado, corrigido apenas pelo fator de 80%, não levando em consideração a redução da parcela da carga orgânica convertida em metano pela produção de lodo e a redução de sulfato competitiva.

Weiland et al. (2007) já sugeriram que 10% do resultado da avaliação estequiométrica deve ser descontado devido à produção de lodo. Mas com a produção específica de lodo podendo variar de 0,11 a 0,23 kgDQO,lodo/kgDQO (CHERNICHARO, 2007), com eficiências de remoção de DQO entre 65% e 70%, essa parcela esperada é ainda mairo, variando de 17% a 33%. Essa ordem de grandeza também foi observada por Souza (2010), que publicou uma faixa de 18% a 30% para a relação entre DQO convertido em lodo e DQO afluentes. Souza (2010) ainda indica uma parcela de aproximadamente 5% de DQO consumida durante a redução de sulfato.

Souza et al. (2012) determinaram uma produção de metano de 0,195 kgCH4/kgDQO,eliminado ou
0,122 kgCH4/kgDQO,afluente, considerando a redução da parcela da carga orgânica convertida em metano pela produção de lodo e a redução de sulfato competitiva.

Embora as diretrizes do IPCC recomendem explicitamente o uso de fatores específicos de cada país, as explicações de Chernicharo (2007), Souza (2010) e Souza et al. (2012) não tem sido consideradas na elaboração de inventários do setor de saneamento no Brasil até o momento. No entanto, com base nas experiências descritas, sugere-se uma produção de metano de 0,195 kgCH4/kgDQO,eliminado para o cálculo de emissões, correspondendo a 0,127 kgCH4/kgDQO afluente e 0,254 kgCH4/kgDBO,afluente, considerando uma eficiência de remoção de DQO de 65%.

Para avaliar corretamente as emissões no caso de reatores UASB com coleta e queima de gás, é necessário considerar as perdas de biogás inerentes ao processo e as perdas no sistema a jusante dos reatores. As perdas inerentes ao processo podem ser derivadas da comparação da produção de metano previamente apresentada por Souza et al. (2012) com a conversão de metano de Lobato (2011). Assim, supondo um cenário neutro com uma conversão de metano de 10,20 NLCH4/(hab.d) ou 0,113 kgCH4/kgDQO,eliminado, resulta em uma perda de metano inerente ao processo de 42% nos reatores UASB. Deduzindo as perdas no sistema de biogás a jusante dos reatores UASB de 5%, temos uma emissão de 0,087 kgCH4/kgDQO,eliminado, conforme nosso cálculo. Com uma remoção de DQO de 65% e uma relação DQO:DBO de 2, temos uma emissão de 0,114 kgCH4/kgDBO,afluente, apesar da coleta e queima do biogás.

Na Figura 5 são apresentadas as emissões considerando os FE sugeridos calculados com planilha externa em comparação com os FE adotados pelo ECAM conforme IPCC (2019), ambos cálculos com potencial de aquecimento global do AR5. Ao adotar os FE derivados das pesquisas nacionais, as emissões para o arranjo UASB + LA sem queima de biogás são 40% inferior e considerando a queima do biogás coletado 33% inferior.

 

Figura 5: Emissões de GEE conforme arranjo tecnológico com FE adotado pelo ECAM (conforme IPCC (2019)) em comparação com o FE sugerido.

 

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES 

 

Para avaliar a usabilidade da ferramenta ECAM no cálculo de emissões do tratamento de esgotos, este estudo aplicou-a para quatro arranjos típicos de ETEs brasileiras. Como observado, foi possível realizar uma análise aprofundada dos resultados encontrados, demonstrando o grande potencial da ferramenta, que fornece resultados categorizados por tipo de GEE e por categoria de emissão.

Percebe-se que o ECAM pode ser utilizado para estimar as emissões do setor, uma vez que incorpora as diretrizes do IPCC e sugere estimativas com base em literaturas internacionais. Entretanto, há que se atentar à seleção dos fatores de emissão, que é responsabilidade do usuário e impacta em todos os cálculos realizados pela ferramenta. O ECAM sugere os fatores de emissão do IPCC, cujas fragilidades para alguns casos são discutidas nesse artigo. Entretanto, é possível modificar na ferramenta para fatores calculados ou estimados nacionalmente ou ainda localmente.

A maior vantagem ao utilizar a ferramenta ECAM é a possiblidade de padronização dos cálculos realizados pelas empresas de saneamento no Brasil. As lacunas da metodologia do IPCC (2019) tendem a fazer com que as empresas utilizem fontes diversas, e que dessa forma suas emissões não sejam comparáveis. Por outro lado, a limitação da ferramenta está na impossibilidade de alterar manualmente os valores de GWP considerados para os cálculos, impedindo que o usuário utilize os relatórios mais recentes do IPCC.

Para o setor de saneamento, a usabilidade de uma ferramenta específica para cálculos de suas emissões é de grande importância, e contribui para o fomento de aspectos relacionados à mitigação de GEE sejam adicionados às estratégias institucionais e, como consequência, ao nível nacional.

 

Fontes citadas:

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  2. ANDREWS, J. Carbon accounting guidelines for wastewater treatment: CH4 and N2O. Wellington: Water New Zealand, 2021.
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